*fontes: 1ª foto; 2ª foto;
Demasiadas coincidências fazem-me comichão. Estas de que quero falar, para além disso, provocam-me profundos calafrios.
Demasiadas coincidências fazem-me comichão. Estas de que quero falar, para além disso, provocam-me profundos calafrios.
[isto vem a propósito de uma referência feita noutros meandros a um filme que o nome e o espírito deste blog homenageiam; uma casual troca de vídeos no youtube mostrou-me a ténue mas terrível parecença entre o argumento desse filme e a actualidade.]
Há uns meses fiquei bastante incomodado quando soube da sondagem francesa que punha Marine Le Pen, filha de Jean-Marie e sua sucessora na Frente Nacional (extrema direita), à frente de Nicholas Sarkozy e da líder do Partido Socialista caso as eleições presidenciais se realizassem naquele dia.
Ontem, nas eleições cantonais francesas (de onde saem os conselheiros gerais) a FN afirmou-se como a terceira força política com 11% dos votos, e conseguiu eleger, pela primeira vez para o conselho geral, logo dois conselheiros.
Sendo a França um dos principais players da política comunitária, esta tendência deve-nos preocupar particularmente. Tendência que também se vem verificando na Holanda e na Áustria, onde a extrema direita já partilhou o poder com outros partidos do centro.
Na Finlândia, o pais em que José Sócrates queria ver Portugal transformado, o Parlamento foi dissolvido antes da aprovação de medidas de resgate financeiro a países europeus em dificuldades. Nas sondagens para as próximas legislativas de Maio, o partido de extrema direita "Verdadeiros Finlandeses" (calafrio) chega aos 18% nas intenções de voto. Refira-se que a Finlândia é (era, pelo menos) um dos países mais europeístas dos 27.
Há dias, em Londres, 500 mil pessoas manifestaram-se contra as medidas de austeridade do governo de David Cameron. O protesto acabou em sangue e violência, cortesia daquela escumalha abjecta auto-intitulada "black bloc".
Em Portugal, 300 mil pessoas manifestaram-se pacificamente na rua, em Lisboa e no Porto, há cerca de duas semanas. Algo que à primeira vista me pareceu um bate-pé geracional (uma leve e refrescante lufada de Maio de 68) mas que, claramente, veio a definir-se com um cartão vermelho ao status quo político actual. No entanto, não deixa de ser, também, sintomática a sua evolução.
Ricardo Araújo Pereira foi um grande simpatizante do movimento Geração à Rasca desde que este deu os seus primeiros passos no Facebook; agora, após a marcha do dito movimento, tornou-se bem mais céptico. Basta ouvi-lo num dos últimos Governos Sombra da TSF falar da estranha coabitação na marcha entre grupos de minorias sociais e matilhas de skinheads para perceber porquê. Eu estou com ele, no entusiasmo e no cepticismo.
Bem vi os cartazes das Panteras na marcha do Porto, curiosamente espalhadas pelos vários media (a reportagem do João Paulo do PtGay para isso contribuiu certamente). De Lisboa, no entanto, chegaram-me relatos surpresos da participação da extrema direita no protesto. [o Porto é tradicionalmente mais liberal, sim, mas, verdade seja dita, nunca se deparou com os problemas sociais que Lisboa tem de enfrentar com os enormes fluxos de imigrantes que a cidade recebe anualmente.]
Ora, a receita formada pelos interesses difusos representados nesta marcha, o seu ainda mais difuso manifesto, o fenómeno de adesão que deitou as melhores expectativas por terra, e a frágil situação económico-política do país, servem para baralhar a razão na confusão dos ânimos exaltados. O política não foge ao emocional - aliás, um dos seus principais problemas é precisamente o de não conseguir aceitá-lo e incorporá-lo no debate político; não pode, no entanto, deixar vergar o racional aos impulsos irreflectidos, porque no fim alguém se aproveitará disso para seu benefício pessoal. A política é tudo menos inocente.
Não inocentemente, por isso, muitos aproveitaram a ampla abrangência concedida pelo manifesto anti-status quo para o transfigurarem num manifesto anti-democracia. Os argumentos? Os mesmos: instabilidade política e crise económica. Os culpado? Um só: a própria democracia. O interesse da extrema direita na marcha era tão somente esse, o de confundir o estado da nação com o Estado democrático: o primeiro é deplorável por culpa do segundo.
Meus amigos, a força de um protesto, por muito meritório e pertinente (eu fui e sou um grande entusiasta deste movimento, apesar de agora algo mais céptico), é ferida de morte quando no seu seio existem grupos organizados cujo pensamento ideológico atenta contra o bem estar de outros manifestantes. Pior, quando o mesmo protesto pode ser usado como palco político e mediático para esse fim!
O populismo dissemina-se neste ambiente de indignação popular como bolor em fruta podre. Dos extremos surge a escumalha que tenta corromper a razoabilidade dos que se manifestam por direito e com justiça. Essa corrupção é também ela fruto da podridão do status quo, e deve ser, também, alvo do protesto. Não pode imiscuir-se nele, adopte ela o nome de "black bloc", "skinheads", ou outro qualquer.
Um amigo médico diz-me não acreditar em coincidências, mas em sintomas. Provavelmente tem razão. Eu cá confio nos meus calafrios.
[eis a Geração à Rasca dos anos trinta, eis a corrupção e o canto da sereia.]
7 comentários:
Aplausos grandes para tua análise...
Gosto, vou voltar mais vezes
Abraço
ora aí está um ângulo que merecia ter tido mais destaque nos meios de comunicação. Tiro-te o chapéu
Talvez a fruta esteja mesmo podre...
Obrigado aos quatro ;)
sim, Ophiuchus, nisso o protesto não se enganou!
É muito interessante a tua análise e a caldeirada de interesses no Porto é coisa que nos anda a deixar com enjoos (não, não é nada disso, como é óbvio!)... Quanto aos "skinheads" eu queria somente alertar que o movimento tem duas vertentes: uma de extrema-direita, conservadora e fascista, e outra de oposição à primeira, trabalhista e anti-fascista. Os primeiros ficaram associados aos primeiros "skinheads" com visibilidade política e, os segundos, ficaram conhecidos por "redskins" e - infelizmente - quase esquecidos da sociedade. Mas é bom que fique este reparo, pois o seu aspecto é muito semelhante e há que ter em conta estes outros detalhes... Abraço,
os redskins não fazem parte do movimento anarco-sindicalista? hm, o que eu escrevi para a extrema direita vale também para a extrema esquerda (os black bloc, por exemplo).
Não há nenhum partido representado no parlamento que caiba nas "extremas" (quanto mais não seja porque respeitam as regras do jogo - o democrático). Nas franjas do parlamento temos a direita e esquerda "radical" (da raiz, pura). Algumas das suas medidas podem caber nos "extremos", o que é lamentável, mas devem ser vistas como deslizes. Curiosamente, e não com pouca frequência, algumas (como as que visam sobre a liberdade de expressão) vêm dos partidos do centro.
Outros partidos, infelizmente, têm de recorrer a milícias para se afirmarem. É o caso do PNR, por exemplo (desconheço como são as coisas na extrema esquerda).
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