Já lá vai algum tempo desde o último post. E já lá vai um tempo considerável desde o último post "a sério", sem vídeos ou música, e com mais de duas linhas de prosa.
Nestes últimos dois meses a minha vida mudou muito, ao ponto de me deixar sem tempo e assunto para este blog. Deixei a confortável e caseirinha cidade do Porto, deixei os amigos e a família com a promessa de voltar daqui a uns meses e vim, sozinho, trabalhar para uma metrópole asiática com quase tantos milhões de habitantes como Portugal continental.
Quando a vida nos atira para estas aventuras é tão fácil erguer a cabeça no início e jurar a pés juntos que tudo vai correr bem. Tão fácil! Mas o tempo é implacável. Com os dias e as semanas que passam, vai com eles o fascínio inicial, e se nada lá estiver para o substituir - o trabalho, os amigos, as paixões - o coração começa a apertar.
Após preâmbulo melodramático, a nota introdutória:
Sou contra a forma gratuita com que se escreve sobre a tristeza. Percebo as razões que levam muita gente a fazê-lo. Não gosto da pretensão que a acompanha, o consolo de esperar que quem lê se reveja nessas palavras, e se sinta solidário por quem as escreve. Não gosto, mas percebo. E sabe tão bem o desabafo... Pois, então, que não despeje um desabafo; que conte uma história! Nada contra as boas histórias.
Mas haverá na verdade alguma diferença? Ou não passa isto tudo do mais básico jogo de palavras? Provavelmente mais não é do que uma forma de branquear o meu próprio pretensiosismo... Provavelmente, mas que se foda.
Há cerca de três anos começou a dar na Fox Life uma sitcom americana que tinha como protagonistas um casal de amigos nova-iorquinos. Ela uma design judia de talento, ele um advogado homossexual do Connecticut. Isto soa tanto a cliché da minha parte que até me arrepio; mas a verdade é que, há cerca de três anos, descobri e logo me tornei um fervoroso seguidor das desventuras de Will & Grace. Predictable queen? You bet.
Ora bem, nessa altura a minha vida ainda não tinha ganho as seis cores do arco-íris que a série mostrava tão vivas e reais. Eu sabia que o Porto não era Nova York, e sabia que eu não era o Will (para o bem e para o mal); e sabia que personagens como a Karen não existem, infelizmente, senão no domínio da ficção (continuo à espera que alguém contrarie esta minha certeza, ansiosamente continuo à espera que alguém o faça!). Ainda assim, era impossível não reconhecer aquilo que a série me mostrava, da forma mais directa possível: a simples possibilidade de ter uma vida normal e... out.
É verdade, já mo tinham dito, já o tinha lido, já o tinha ouvido centenas de vezes. Mas não acreditava. Quando se pensa que, por dar um passo em frente, arriscamos tudo - o futuro, os amigos, as expectativas e a felicidade - não vamos em cantigas. Não chega ouvir e compreender, é preciso sentir para acreditar. E eu via (e sentia), tão simples e clara como no ecrã, a possibilidade de abrir esta porta ao meu grupo de amigos e livremente falar sobre esse meu eu, poder falar das paixões e das desilusões, e de um dia ser um dos felizes "comprometidos" do grupo; de fazer parte de um movimento, de tentar mudar as coisas (mesmo sem estar na primeira linha), de tentar juntar as peças e formar qualquer coisa de expressivo e "nosso" a que alguém pudesse chamar cultura; de conseguir finalmente vislumbrar o longo prazo, de me imaginar daqui a 30 anos, em sonhos e ambições homéricas, e pensar - "é possível".
Este texto já ultrapassou o dramatismo que eu tanto queria tentar evitar ao início; mas continuo só mais uma linhas.
Tudo isso aconteceu nestes últimos três anos. Tudo, letra por letra. Não subscrevo nenhum testemunho que acabe com "and then my life was changed forever"; no entanto, penso nos meses de ignorância que a série me poupou. E naqueles dias em que me sentia em piloto automático e sem grande vontade de me levantar na manhã seguinte, ver uns episódios de Will & Grace actuava como o mais eficaz antidepressivo. Era a minha porta secreta para a Queerlight Zone - somewhere over the rainbow.
Prometi a mim mesmo (numa daquelas promessas do quotidiano tão sagradas para nós próprios como as peregrinações a Fátima) que só veria o último episódio da série, o Finale, depois de ver e rever todos os outros 192 episódios, e de me preparar pessoal e psicologicamente para o veredicto final. Estava com medo de descobrir o que se escondia por atrás da cortina.
Ontem, dia 14 de Fevereiro (puta da ironia), três anos depois. Sozinho, numa metrópole estranha a mais de dez mil quilómetros de casa. Os amigos que me esperam, o fascínio aventuresco que já se esgotou, o rude sentimento de "and now what?". Ontem decidi que estava na altura de enfrentar o Finale. E assim fiz.
Pronto, já chega, fora da cama!
(and just imagine the possibilities).
5 comentários:
Bom texto.
Eu seria incapaz de viver numa metrópole assim; imagino que seja Tóquio.
quase - Hong Kong.
parabéns, Pedro, pela coragem. faltou-me, continua a faltar-me. tenho pena porque isto por aqui fede... boa sorte e muita coragem!
abraços
Obrigado, Paulo. Na verdade isto aqui não é muito melhor. Eu sei que aí fede, mas não deixa de ser um fedor familiar e, passado algum tempo, acolhedor. Aqui não, não há cheiros nem cores nem nada. É tudo tão insosso. Que saudades de casa.
... e assim será até te habituares, tomares o lugar como lugar também teu. e tiveres ligações afectivas que justifiquem. até lá, sei que a casa será sempre insubstituível. até ganha em dimensão e importância.
abraços e força!
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