30.8.10

O garbo

É uma pena escrever-se tão pouco sobre o engate gay. Fossem as coisas tão fáceis como os 'de fora' acham que são - chegar, escolher e pimba - e o mundo gay seria, na verdade, muito mais gay (pelo menos para os que preferem a moda de centro comercial à alta costura; ou seja, o pronto a vestir ao feito à medida...). Ora atentem neste post.

Concordo totalmente com o Natcho, o autor do post, quando diz que a atracção física é a base de quase todo o tipo de relações. Mas, desde já, troco a palavra "beleza" que ele usa por "atracção"; explico já porquê. O post é um relato, caricaturado é verdade, mas mordaz na descrição do jogo de engatar e ser engatado que acontece na noite ou (um cenário menos interessante para explorar) na net. As categorias que ele escolheu confirmam-se. Os comportamentos das pessoas que nelas encaixam também. O dilema das pessoas feias exigentes é real e o diagnóstico difícil de engolir. Ainda assim, tenho uma visão mais optimista sobre este assunto. Eu digo que as pessoas feias podem conseguir engatar pessoas mais atraentes. E, para explicar como, vamos num instante ao Cinema:


Aqui em cima estão três pessoas a ter em consideração (desculpa Natalie Wood, toma lá 5€ e põe-te a andar). Duas delas são pessoas consensualmente bonitas. Duas são pessoas garbosas* (adoro este termo). O que reúne os dois atributos é, sem dúvida, a figura do meio, o meu Ideal de Homem Perfeito, o sempre desejado Jimmy Dean. O Keanu Reeves é um bom pedaço de carne. Mas, convenhamos: quem já tiver visto os seus filmes terá de concordar que é uma personagem irritante e completamente insossa. Resta o outro senhor, Mr. Bogart. Humphrey Bogart é frequentemente apontado como o protótipo do homem clássico, masculino mas sofisticado, misterioso, romântico (q.b.), inteligente e complexo. Foi a perdição de inúmeros mulherões, de Ava Gardner a Lauren Bacall. E, no entanto, era um homem feio. Não muito feio mas, ainda assim, dificilmente teria tido sucesso se tivesse preferido a carreira de modelo à de actor. Disparate? Talvez. Ou talvez já não consigamos apreciar a sua beleza sem a ver através da aura que encerra a figura, a postura, de Humphrey Bogart. É ou não este factor que é inconfundível e inigualável? Vejam-no, agora, enquanto Charlie Allnut (The African Queen), o papel que, à primeira vista, mais foge ao ideal de "homem clássico". Uh... sexy...?


A atracção não depende apenas da beleza física. Provavelmente dependerá apenas liminarmente. O que, pelo menos para mim, conta cem vezes mais é a postura, a genuinidade, a distinção, o garbo. Todas estas palavras exprimem a mesma coisa: a atracção que resulta de vários sinais de expressão que distinguem, dando complexidade e raridade, ao seu possuidor. Humphrey Bogart conquistava as mulheres pela fantasia da sua persona, não pelo seu aspecto. Porém, como disse em cima, a partir de certo ponto chega a a ser difícil distinguir estes dois elementos e, no fim, a fantasia costuma impor-se ao outro. O dilema das pessoas feias exigentes não é forçosamente um dilema. Só assim será se as pessoas, além de feias e exigentes, forem completamente desprovidas da capacidade de se tornarem garbosas. Nenhum Deus-grego seria capaz de resistir ao Bogey, acreditem. Nenhuma Deusa conseguiu.

Uma nota importante, para concluir: o problema que poderá derivar desta técnica de engate é o da falta de genuinidade e adequação. Ou, como se diz, a cara pode não bater com a careta... O culto do garbo é, antes de mais, uma descoberta da individualidade e da auto-confiança de cada um. Bogart usava a máscara que descrevi em cima; mas era o seu trabalho, como actor. Na vida real as coisas são mais complexas e, se queremos que o garbo resulte em atracção, não pode, por força, ser postiço ou copiado, sob o risco de redundar mais tarde ou mais cedo no ridículo. É verdade: todo um investimento e reflexão têm de ser feitos para depois poderem serem colhidos frutos mais proveitosos.
Eu acho que vale a pena. Mas isso também sou eu; há quem veja no Keanu Reeves o homem das suas vidas. Eu não.

*Garbo, da actriz sueca com o mesmo nome. Sem dúvida, a pessoa mais genuinamente garbosa que já existiu.

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